Registos de Solidão
Quando nascemos, a alegria que invade o nosso pequeno mundo, o da nossa família, é inebriante e indescritível. É o renovar do ciclo, a potenciação da descendência, a esperança no futuro. Parece que os corações se abrem, cantam mais alto, a alma expande e o corpo entra numa dança vertiginosa de prazenteiro êxtase. Uma nova vida. Agraciados fomos com uma nova vida. E essa vida desenvolve-se, cresce, amadurece, reproduz-se e envelhece. O ciclo da vida fecha-se. Está completo. E agora? Ficámos sozinhos. O amor da nossa vida já partiu. Deixou-nos tristes e amargurados. Os nossos filhos foram às suas vidas. Também eles têm uma família e não queremos sobrecarregá-los. Vivemos cada dia como se fosse o último, porque pode bem sê-lo. Suspiramos por dias melhores, com companhia, sem dor e com amor. As visitas semanais de fim-de-semana sabem a pouco e a alma está vazia. Já não nos lembramos bem do mundo, das coisas. Não compreendemos o que nos rodeia, nem o que vemos na televisão. E insistem em distrair-nos com a televisão. Nem as conversas diárias de circunstância nos fazem esquecer que o tempo passou. Passou muito depressa. Depressa demais. As novas tecnologias são um quebra-cabeças e perdemos a nossa autonomia, a nossa independência. Estamos, na realidade, totalmente dependentes de terceiros, de estranhos, de cuidadores que supostamente zelam pelo nosso bem-estar, qualidade de vida e felicidade. E há os que gostam verdadeiramente do que fazem e os que precisam de um trabalho. Queremos acreditar que é o melhor para nós. Que todos fazem o melhor que podem e conseguem. Que já não somos um fardo para a nossa família. Acho que agora gostaria de me juntar ao meu amor. De encontrar a paz. De encontrar serenidade. A vida, por aqui, neste mundo de loucos, perdeu a graça. O amanhã já não é uma aventura e a esperança está morta. Mais um dia. Que conte mais um dia. Mas, só mais um. Depois, logo se vê.