Os Incêndios do Inferno
E os infernos desceram à terra, sob a forma de tempestades cíclicas imprevisíveis, ardentes no ofuscar linear, arrepiantes e abruptamente incontroláveis. A natureza zangou-se irremediavelmente com o homem comum, com a sociedade cega, com a comunidade inconstante, numa dialéctica assustadora de insolvência abrasiva e desconcertante que amarga a cada novo passo, a cada novo movimento descoordenado. E a descoordenação impera entre os homens perdidos de desespero, cansados da fumaça, desmotivados na inexistente e apaziguada resiliência dos condados ferozes dos deuses do fogo. Sobrevive-se como se pode. Apaga-se como se não houvesse amanhã. Observa-se o espectáculo dantesco, num cenário surreal que virou realidade com a frequência sazonal dos trinados do estio. Impotência. Falta de meios. Falta de tudo. Secura temperada, desmedida, no alvoroço massivo dos descampados tapados por arbustos, sebes, arvoredo de porte e clareiras brandas de palhal feitas. As casas foram arrasadas. As vidas destroçadas. Cozinha-se em forno bem quente, o futuro incerto das gentes. Sofre-se a dor da perda física, da perda material, dos anos de trabalho árduo e duro, das poupanças ofuscadas pelas ventanias escaldantes da perdição. Alheadas às agruras dos homens, as águas apartam-se para longe, evaporam, escapulem-se, escasseiam. As gentes juntam-se. Esquecem diferendos. Empunham as armas no combate desigual. Não adormecem. Não podem. A porta está ainda aberta para o inesperado, para a surpresa. Há que proteger e salvar vidas. Combate-se heroicamente. Combate-se com esperança. Na cegueira desiluminada que a cinza enche, no respirar irrespirável que consome a alma, compromete-se ainda e sempre o destino toldado que, numa reviravolta mutacional, espera-se, irá cadenciar e rotinar, uma vez mais, emoções e comportamentos humanos que extravasem a desregrada e inesperada natureza madrasta.