Optimismo na Cartola
O mágico estava disparatadamente nervoso, olhando resguardado o público, atrás da cortina aveludada que escondia a sua esbelta, mas discreta e ausente figura. Sabia que aquele público de lunáticos extra-terrenos era difícil de entreter, uma provação portanto, e contido na extravasão das emoções mais primitivas. Alguém lhe tinha pedido um espectáculo muito especial, condicionado por requisitos limitativos intimidatórios, há cerca de três semanas. O mágico retraiu-se, por secretamente duvidar da sua capacidade ilusória para iludir aquele tal público copioso e palavreador. É que os lunáticos extra-terrenos, aqueles seres de galáxias bem distantes, têm de acreditar na magia. E só acredita na magia, quem abre o seu coração e sonha. Mirando a mirabolante plateia, de modo algum sustentava o sucesso futuro da sua apresentação. Mas, sabia, não havia volta a dar, pelo que deixou-se levar pelo ambiente exótico e acreditou que os mágicos de outrora estariam em concertação para o protegerem e incentivarem. O rufar dos tambores soou e as cortinas foram afastadas. O mágico sentiu-se sozinho. Demasiado e, estranhamente, sozinho. O seu público, aquela plateia locupletada, talvez, quem sabe, por artes mágicas, evaporara-se. Não havia viva alma para amostra. O silêncio era ensurdecedor. A salva de palmas inexistente. Os corpos invisíveis. Atónito, o mágico percorreu os quatro cantos do palco, avistou o céu imaginário, reviu o horizonte limitado, prostrou-se, enfim, desiludido, no soalho de madeira encerado do grande palco. O teletransporte dos lunáticos extra-terrenos, afinal, funciona. Tirou a sua cartola. Abandonou o estado letárgico de espanto feito e entregou-se ao surrealismo do momento. Enfiou as duas mãos na cartola e, com a sua habilidade característica, mas modesta e humilde, retirou o optimismo da cartola e deixou cair o seu manto sobre si. As energias renovaram-se, a alma encheu-se e o coração reacendeu. Haveria espectáculo. O espectáculo de magia do mágico com optimismo na cartola, sem público.