O Tempo Lá Fora
Chove copiosamente. O céu parece querer desabar sobre a urbe campestre, lá por baixo. Os ribeiros enchem, a vida transborda momentaneamente, os rios alargam os mares e os mares, oceanos longínquos. O efeito borboleta bate nas asas da imaginação e é abraçado pelo vendaval da tempestade tornada rodopio de folhas e árvores portentosas tombadas, no esventramento infértil do tronco de seiva feito. O tempo lá fora, passa. Passa rápido, como a película obscura de um filme mudo. Está escuro. Está escuro lá dentro. O cinema fechado viaja para cenários exóticos e solarengos. Se pudéssemos trazer um bocadinho daquele guião para a mobilidade desregrada desta ventania desmesurada, poderíamos quebrar e assustar o passadiço estreito que medeia e limita o salão de baile desta urbe campestre. Flores misturam-se numa dança efusiva e estonteante. O seu perfume exala naftalina perdida na janela temporal do portal irreal escondido no camarim da estrela do filme obscuro mudo. Continua a chover copiosamente e quero ver o sol. Olhei o céu que parece continuar a querer desabafar e no lusco-fusco da solidão vislumbrei que o Tempo Lá Fora, afinal, estava Lá Dentro e corria. Corria para o infinito.