Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A Esquina do Desencontro

Histórias de Desencontros Ficcionais (ou Não) na Esquina da Vida

O Perfume das Flores

29.05.16 | Cuca Margoux

Naquela manhã primaveril, acordei descalça para o céu. Levantei os pés, depois, as mãos e abracei as nuvens. Calcorreei levemente o chão frio imaginário e despojei-me de negativismos histéricos. Saltei, pulei e corri desalmadamente. O jardim cheirava a terra e relva e flores. Inspirei o mundo e derreti-me com os seus odores frescos e inebriantes. O pitoresco cenário que me envolvia, fazia-me sonhar com os contrastes montanhosos da minha terra distante. Que saudades daquelas paisagens deslumbrantes, que saudades do gentio carregado de rejubilante paz e alegria, que saudades dos lagos e lagoas ofuscantes na sua beleza pura, singelos na sua encorporação. Deixei a casa sonhada para trás e fui levada pela brisa condutora das magnólias e dos crisântemos. O perfume das flores embalava-me, aliás, como há já algum tempo o fazia. Quando me mudei para esta vila, o tempo e o espaço pareceram regredir e senti-me perdida. O meu alento veio da flora exuberante e rica que crescia em meu redor. A casa foi abençoada pelos encantos mil, simplificados q.b., é certo, mas, sempre condicionadores e consequentes dos recantos cuidados pelos jardineiros da alma. Quando, finalmente, parei, depois de sentir as pedras soltas na calçada incompleta da vida, o meu coração batia acelerado. O silêncio ensurdecedor abateu-se e vi tudo escuro. Só depois de recuperado o fôlego, e ao abrir, num pestanejar automático, os olhos, voltei a experimentar os sentidos em pleno. E aquele que sobressaía em intensidade era, sem dúvida alguma, o olfacto. O perfume das flores entranhou-se nas narinas despertas e encheu-me de vida, cor, energia, arrancando todos os pesadelos fantasma que assombravam a minha humilde e prematura existência. Continuei descalça, porque sentimos mais as coisas no toque. Ergui, de novo, os pés e as mãos e, desta vez, elevei-me qual pluma ou dente de leão soprados ao vento. E parti. Da vila, do mundo. Cheguei a nenhures e fiquei-me em talvezes. Mas, nunca esqueci o perfume das flores.