Na Senda dos Viajantes Altruístas
A estranha nave elíptica atravessava agora o campo atmosférico envolvente do pequeno planeta azul a que os antigos chamavam Terrus Humanus. As sacudidelas abruptas e constantes remexiam até com os nervos de aço dos mais habituados a estas tempestivas andanças de carácter intrusivo, por certo, mas, prementes e decisivas. Queremos que não nos detectem. Vimos em missão secreta. A conclusão da experiência é primordial para a sobrevivência da espécie. Se não formos bem sucedidos, serão aniquilados e perder-se-á a beleza intrínseca da fundamentação milenar de que podem e devem ser orientados na sua, ainda que primitiva, evolução. O campo foi atravessado com sucesso e, em breve, a nave amarava na acalmia do Pacífico Sul. Submergiu quase instantaneamente para que se mantivesse indetectável. Temos de encontrar o caminho. Temos de encontrar a Senda dos Viajantes Altruístas. Os Viajantes Altruístas há muito cuidavam para que tudo caminhasse no sentido do equilíbrio perfeito e harmonioso, por todo o imenso universo conhecido. O seu papel, criteriosa e meticulosamente telepatizado de geração em geração, consistia na integração esquemática e sequencial de todos os hábitos, costumes, saberes, conhecimento, informação, tecnologia e afins, considerados relevantes e positivos, para a prosperidade racional e emocional significativa dos planetas e respectivas civilizações endémicas que, discretamente, eram visitadas e aculturadas, ainda que, por vezes, com estrangeirismos alienígenas difíceis de interiorizar. Toda a implementação estrutural e contextual, até agora, tinha vingado, mas, a espécie humana, já por duas vezes visitada com insucesso, reprimia os optimistas mais fervorosos dos descendentes dos Viajantes Altruístas. A natureza demasiado emocional desta espécie fazia dela um desafio de dimensões bíblicas. Segundo os dados estelares, chegámos. O início da Senda dos Viajantes Altruístas é aqui. Mas, aqui, não há nada. Num marasmo de espanto, de repente interrompido por uma vaga de corrente marítima incandescente ascendente, abriu-se um portal de mundos. A ideia é atravessá-lo e encontrar a chave alocada à Terrus Humanus que trará o tão ambicionado equilíbrio perfeito e harmonioso, há muito aguardado. Os descendentes dos Viajantes Altruístas forçam a nave contra o portal e esta é sugada. Por momentos, tudo parece acabado. Mas, eis que o regresso, quase instantâneo, faz esquecer a ficção e reduz-se ao real. A chave é empunhada em todo o seu esplendor e ainda há, por isso, a esperança de que talvez um dia, não muito longe, a espécie humana seja feliz, ao encontrar a sua própria senda de viajante altruísta.