Finados e Outras Coisas
A literatura acompanha o amor e a morte, de perto. Tudo se conta. Tudo se escreve. Tudo se sente. No entanto, a associação de amor a algo bom e de morte a algo mau, doloroso, transparece uma significância suspeita, que é comummente aceite, mas que se traduz num receio realista e temente. Tabu ancestral, a morte permanece envolvida em misticismo céptico e tenebroso. Na realidade, a ideia de continuidade, associada ao ritual fúnebre, naturalmente seria sinónimo de esperança ancorada numa outra vida, num outro lugar, numa outra existência. Esta passagem é biologicamente aceite. Mas, apesar do ciclo da vida ser interiorizado de forma plena, sem redundância e contorno possível, a humanidade tem reservas profundas relativamente à temática. Assim sendo, o problema não é a morte em si mesma, mas o quando e o como associado a ela. É isso que transforma a racionalidade humana, nos momentos finais ou mais meditativos, em irracionalidade emocional e emotiva. As dores física e psíquica que acompanham o processo, faseado ou não, é o fantasma que assombra as mentes mais optimistas. A expectativa de que um bocadinho de nós fique e permaneça em alguém ou alguma coisa, é o alento esperado e desejado. Os finados devolvem o espírito mortal aos terrenos e ganham realce na espiritualidade da conectividade com a vida posterior. A lógica da reencarnação fará sentido, quando ligada à continuidade existencial de produtores e decompositores, porque no ciclo da vida, cada qual tem e assume um papel e função bem determinados e deterministas. A compreensão de todos estes fenómenos e experiências, ultrapassa, no entanto, uma explicação puramente científica, e é, muitas vezes, no folclore que a compreensão encontra sentido mais imediato. Respeitar as crenças e religiões, a ciência, a experiência, o conhecimento, a sábia ancestralidade, e as suas devidas interpretações da morte é fulcral para uma mais fácil aceitação de algo que nos persegue, desde o momento em que nascemos. É uma inevitabilidade. No entanto, encaremos frontalmente que o corpo está preparado para a vida, assim como para a morte. É um facto. E nisso, somos todos iguais, humanos e verdadeiramente mortais.