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A Esquina do Desencontro

Histórias de Desencontros Ficcionais (ou Não) na Esquina da Vida

As Vitrines da Nossa Terra

16.08.16 | Cuca Margoux

Quando subimos a rua, não perspectivamos a lateralidade das paredes altas recheadas, aqui e ali, com espaços segmentados ora rectangulares, ora mais quadrados, ora ovais, ora circulares, feitos de vidro criativo, que abraçam decorações mais ou menos exuberantes e que, por vezes, nos fazem viajar até ao passado de lendas e mitos. A infância de um tempo ausente que teima em querer levar-nos para outros mundos, qual viajante arrependido por não ter fixado aquele momento único na lente da sua máquina. A terra é fértil e verdejante. O casario branco, imaculado. As gentes inexistentes ou escondidas. Perdidas nos afazeres. As vitrines espelham a alma da terra, a alma das suas gentes. Contam histórias. Fecham segredos. Escondem ilusões temporárias. Perpetuam nomes e coisas. Mobilizam olhares. Deliciam os sentidos. Libertam as emoções. Abrem corações. É unânime, lá na terra, a concordância com a passagem inusitada das vaidades estrangeiras pelas montras da vida. É escandalosa a feira destas vaidades explícitas, mas sofrível e ultrapassada pela curiosidade de tudo o que é novo, causa cochicho e desperta a alma. Há tanto para ver. Fazem-se verdadeiras romarias improvisadas para explorar, visual e discretamente, o mais recente modelito que enche as ruas parisienses. Os homens são mais reservados. Os comentários não descaem no passeio. O murmurejar e o ritual dos risinhos disfarçados transbordam no eco da viela de esquina. Que grande ajuntamento. As vitrines da nossa terra despoletam comportamentos desajustados, impulsivos, imprevidentes e desmedidos. Ou não. O seu encerramento, no entanto, mataria a terra e as suas gentes. A ainda permitida alegria perder-se-ia e o cinzento da penosa estrada humana para a morte envolveria, membro a membro, uma comunidade ainda inocente, ingénua e feliz por se apartar do mundo regrado e comprometido. Cuidem-se os valores demasiado tradicionalistas. Liberte-se o espírito e a mente e entre-se numa viagem ao infinito da fantasia e do frenético abalo sazonal. Porque, depois, tudo passa e regressa à monótona realidade da constância rotineira daquilo que é conhecido e seguro. As vitrines da nossa terra deixaram cair o pano e escureceram. A noite silenciou-as. Amanhã, é um novo dia e uma nova vita.