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A Esquina do Desencontro

Histórias de Desencontros Ficcionais (ou Não) na Esquina da Vida

As Cegonhas

07.08.16 | Cuca Margoux

A estrada parece não ter fim, ladeada por campos verdejantes, infinitamente extensos, palmilhados, aqui e ali, por manadas em pastagem ou ponteados por sobreirais, os chaparros, e olivais típicos, profusamente concentrados, que nos relembram estarmos a entrar em terras alentejanas. O tempo passa devagarinho e a paisagem vai-se desenrolando qual filme mudo em contínuo, numa sala de cinema bem antiga. O movimento é compassado, as tonalidades do fim de tarde aguçam os sentidos e observamos a vida, algures, por ali escondida com um outro olhar, uma outra abordagem, um outro ver. Na realidade, o cenário encerra as histórias de muitas ninhadas de cegonhas. Todos os anos, verdadeiros condomínios, (re)construídos nas estruturas metálicas dos postes de alta tensão da rede nacional eléctrica, são ocupados criteriosamente. Os ninhos das cegonhas são assim, uma visão recorrente para quem circula com a frequência das migrações. Quase sempre imaculadamente preenchidos, num entrelaçado constante e consolidado, por pequenos ramos, arbustos e ervas, acamados para conter a sua criação, os ninhos são robustos e perfeitos nas suas formas. O ritual da sua aparentemente tosca, no entanto rebuscada, construção é renovado anualmente numa arbitrariedade usual e as cegonhas entregam-se a esta labuta com o afinco próprio dos futuros pais. As taças da vida, onde se irão pôr e chocar ovos, onde novas vidas irão nascer, são protegidas pelos progenitores que as vigiam silenciosa e cuidadosamente. Elegantes no voo, as belas plumagens brancas e pretas das cegonhas preenchem o nosso imaginário de histórias infantis e ao olharmos o céu azul, imaginamos quase instantaneamente aquela silhueta contrastante transportando, numa fralda de pano, presa no seu longo bico, bebés recém-nascidos felizes que vão numa viagem terna e cuidadosa até às suas respectivas famílias. As cegonhas traduzem, assim, o movimento da vida em ciclos e os seus ninhos, os berços amparados dos cuidadores dedicados à génese da vida futura.