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A Esquina do Desencontro

Histórias de Desencontros Ficcionais (ou Não) na Esquina da Vida

A Minha Experiência na Moda Lisboa

14.10.24 | Cuca Margoux

Se sonhássemos a realidade dos espaços, dos figurinos e dos maneirismos, o mundo iria surpreender-nos naquele infinito turbilhão de emoções e sensações concentradas num pátio lisboeta que tudo encerra, as quais espelham sobremaneira o centro daquele nosso pequenino e bem minimalista universo individual, num colectivo bem maior e mais disperso. O bilhete caiu do céu. Uma surpresa da minha júnior, agora envolvida nos meandros mais ou menos incompreendidos do mundo da moda, so they say. Nada de extraordinário, há mais imaginação comprovadamente do que factualidade realista neste mundo de fantasia que criamos e recriamos vezes sem conta na nossa imaginação, mas isso até é bom, convenhamos. Não sei o que esperava, ou talvez esperasse o inesperado que surpreende naquela conquista demorada dos sentidos perdidos em cantos esquecidos, porque os universos paralelos, afinal, ainda existem perto de nós, mas passam-nos despercebidos. Silhuetas, estares, visuais estilizados, ousados, propositados ou despropositados, indumentária indescritível, construções mágicas, nostálgicas e revivalistas, multiculturalidade, pluralidade, assunção de género desperto e de efusivo life style, extravasão da alma, explosão de cor e de guião cinza, alegria efémera, glória momentânea, flashes e entrevistas, poses e beleza trabalhada, ou natural, solta, livre, este fabuloso admirável mundo novo é extasiante e inebria. O espaço da contenção descontida emerge, num sufoco martirizante condicionado pela reconfiguração do pátio e do seu tecto. Fechá-lo à meteorologia tornou-o demasiado quente, mas a boa energia e as boas vibrações das almas criativas encheram-no. O burburinho está em crescendo, nos stands as marcas mostram-se ao público, a música vibra e a espera nas diferentes filas que medeiam a entrada na grande sala inicia-se. Nada é fácil, mesmo naquelas filas de espelhos de almas criativas. O calor sufoca e as filas vão-se adensando. Por cada desfile, uma entrada e uma saída. Nada prático, mas a reorganização da sala a isso obriga. Abrem-se as portas. As entradas começam. Por mero acaso, o lugar escolhido é mesmo ao lado do início da passerelle e, portanto, privilegiado. A sala escurece. A vibrante batida musical começa ritmando o compasso e o desfilar dos modelos. A suavidade do balancear dos seus corpos e a passada determinada fazem resplandecer os outfits em mostra. É curioso observar a juventude ainda infantil nos rostos concentrados daqueles rapazes e raparigas. Faces perfeitas eternizadas no momento. Roupas memorizadas e enquadradas nos temas que inspiraram cada designer. A moda é muito curiosa na sua desconstrução surrealista. O que se vê é um resultado aprimorado de uma produção de backstage verdadeiramente monumental. Tudo se conjuga na mente iluminada do estilista e, depois, se operacionaliza, mediante a estratégia fluída da sua criatividade. São apenas alguns minutos de glamour e de abstracção, de passagem para um outro mundo, que definem, no entanto, futuras tendências e o sucesso ou não da colecção. O público é o júri, um júri, por vezes, difícil e não consensual, mas, de uma maneira geral, os aplausos enchem sempre a sala no final de cada apresentação. Uma experiência, no mínimo, imperdível. Recomendo, mesmo aos mais cépticos, àqueles que acham que o mundo da moda é desvirtuoso e desviante. Em boa verdade, é um mundo fascinante e um negócio que mobiliza milhões, de mentes e de patrocinadores/mentores. Afinal, o que seria de nós sem a nossa identidade visual diária muito pessoal e personalizada, que determina o que queremos tirar do nosso armário e vestir todos os dias, conjugando peças de roupa tão diversas e de marcas tão diferenciadas? O que seria de nós sem a nossa afirmação individual, sem a nossa “comunicação” com o mundo através da linha de indumentária que escolhemos? Surpreendam-se com os desafios culturais e intelectuais da Moda Lisboa. Eu surpreendi-me. Pela positiva.