A História do Que É Simples
O passo descontrolado aproximou-o da casa. Espreitou e sorriu. Ninguém o tinha visto. Ninguém o sonhava. Ninguém o esperava. Havia tempos em que anunciava estrondosamente a sua vinda, mas, agora, desprovido de novidades, esquivava-se a tal incómodo. O simples facto de ali estar, despertava, de novo, sensações caseiras esquecidas. Já não tinha pais. Estava sozinho no mundo. A sua família era ele. Herdara a casa, havia 5 anos e ainda assim, a rotina acompanhava-o naquele doce sentir de voltar ao ninho. Entrou de mansinho. Tudo estava em ordem, tal como deixara. Não gostava de abrir as janelas, porque despertava a curiosidade nos vizinhos. Queria passar despercebido, beber a casa e esquecer o outro mundo lá fora. Sempre que chegava, deitava-se e sonhava. O sonho levava-o numa viagem eterna pelos continentes e mares. Fantasias meticulosas que lhe permitiam experimentar aquilo que apenas podia ler nos livros. Ambicionava mais, mas o comedimento e a vida simples que levava, não o permitiam. Discreto e reservado, assim era conhecido no seio da aldeia e entre pares. A postura perfeita e a compostura imaculada deliciavam aqueles que tinham a sorte de com ele se cruzarem. A sua história é verdadeiramente simples e, por isso, naquele sonho se entrega à liberdade da mente, da alma e do coração, num exercício desregrado de abandono do seu eu mais definido, determinado e contido. A pausa acaba. Desperta repentinamente. A aldeia ganha vida e os sons estridentes do arraial cancelam, uma vez mais, experiências adiadas. Sorri. Tudo está como deve estar.