A História de um Leigo
Quando sentiu o impacto, desmaiou. Apagou as memórias e o ser. A recuperação revelava-se uma frustrante incógnita e só o tempo permitiria sonhar de novo com o seu eu passado. O presente acontecia, mas a realidade era outra. O conhecimento absorvido, diziam, era fabuloso, único, extensível a diversas áreas e temáticas, no entanto, agora, sentia-se vazio de tudo. O saber fluíra para zonas ocultas, dispersas, longínquas e o vazio abarcava, cada vez mais, a sua mente cansada. Sentia-se perdido. Conhecia o que era normal e simples, esquecera o complexo, o saber, a bagagem neural de uma vida preenchida. Agora, era leigo. Em tudo. Apenas mecanizava, diariamente, a rotina da satisfação das necessidades básicas. Estava triste, infeliz. Não sabia saber. Os médicos pronunciavam-se optimisticamente, mas ele não se sentia a voltar a si. Era um estranho. Um desconhecido de si mesmo. Olhava a rua, pela janela prisioneira, e pensava como seria voltar a ser quem era. O leigo de tudo queria fugir, deixar aquele corpo e absorver a razão. Muitos dias e semanas e meses e anos se passaram. A vida passou. Envelheceu. Sofreu calado. Nunca recuperou o seu eu. Nunca deixou de ser leigo até que... Um certo dia, despertou, abriu os olhos e estava diferente. Tinha um mar de gente em seu redor, aguardando o milagre ou o renascer da esperança na ciência inexplicável. Forçou-se a pensar, forçou-se a deixar de viver na apatia do desconhecimento e da irrazoabilidade, mas, nada aconteceu. A mente continuava vazia. A diferença residia tão somente em ter acordado no lado bom do céu. O lado branco, pacífico e feliz, alguém lhe disse. O leigo continuaria leigo, mas no céu, já não na terra. As histórias nem sempre têm um final. Nem sempre têm um final feliz. Nem sempre acontecem. Nem sempre são belas e lineares, por isso mesmo, são histórias. Apenas histórias.