A Estalagem das Hortênsias
O tronco de madeira de cedro sabiamente trabalhado, conjugado com um ramo de três perfeitas hortênsias azuis, reforçando a curiosa e original decoração da entrada, anunciava a estalagem. O tempo passou pela velha estalagem e apenas ficou a nostalgia de outras épocas e histórias antigas. Ao longe, o palacete enchia a vista com a sua extensa linha arquitectónica sensorial. Os cheiros eram intensos, ao longo do caminho percorrido, e o túnel de cedros, composto, lateralmente, pelas profusas e radiantes plantas arbustivas, originárias da China e do Japão, completava a tentativa falhada de retorno às verdadeiras raízes ancestrais do casario imaculado que compunha a estalagem. As hortênsias chegaram com a família estrangeira. Sabia-se que a estalagem tinha sido comprada, havia anos imprecisos, por um desconhecido abastado que operara intrincadas mudanças no cenário natural envolvente. A introdução das hortênsias fora uma exigência não negociável. Segundo contam os locais, o desconhecido teimara na plantação desalmada de hortênsias cor-de-rosa, mas o solo, mais acidificado, obstinava em fazer crescer hortênsias azuis e lilases. Assim, foi o cabo dos tormentos para conseguir recuperar os pequenos pés brancos e rosa. As hortênsias, é sabido, simbolizam obstinação, capricho, frieza e indiferença. O desconhecido, na realidade, era conhecido por todas estas e ainda outras características comportamentais e emocionais devotas e exuberantes e esta compulsiva obsessão pelas hortênsias rosa, que os mal dizentes associavam a vaidade pura, enchia de pesadelos as mentes simples e ignorantes daqueles cujas vidas se cruzavam inicialmente com o misterioso patriarca. Mais tarde, tudo se compôs e as gentes interiorizaram os bons valores e princípios do desconhecido (re)conhecido. A explicação de toda esta confusão relacional era aparentemente justificada, no entanto, parecia reinar por ali, naquela estalagem invadida por hortênsias e por estrangeiros desconhecidos, de fisionomia pautada por exotismo oriental, um equilíbrio e uma harmonia irrepreensíveis. Assim, e apesar de todos os receios, o gentio comunitário era mesmo feliz. A alegria voltara aquelas terras e a cor também. E quem por ali passa, ainda hoje, dormita ou visita os jardins, inspira esta ambiência exótica e esta inusitada sensação de envoltura perfumada, ainda que desconcertante por se estranhar aquele cenário, que abarca os sentidos e refresca o sentir da alma mais desconfiada.