Vivemos tempos deveras estranhos. O cliché desta frase redundante, é assustadoramente real. Num mundo em constante e profunda mudança, em que o nosso controlo sobre nós próprios é, neste momento, puramente abstracto e ilusório, a vida das pessoas decorre, por incrível que pareça, de forma demasiado pacífica e alheada de uma realidade crescente, profundamente perturbadora. O que mais assusta é que as mudanças estão a acontecer, com a nossa aprovação e consentimento. A questão que se coloca é se algum de nós tem verdadeira noção da dimensão concreta destas mudanças, e se a nossa aprovação e consentimento, face às mesmas, é efectivamente consciente. A Inteligência Artificial Geral (IAG) constrói-se, neste momento, sob as paredes secretas de milhares de instalações governamentais e privadas, um pouco por todo o mundo. O objectivo primeiro desta “nova” e definitiva invenção humana era louvável: ajudar a optimizar a utilização e gestão de recursos, tornando a sua utilização e gestão mais eficiente e eficaz para os humanos. Se repararmos, a lógica base é a automatização de tarefas rotineiras, monótonas e cansativas, para os humanos. Assim, apenas o trabalho criativo seria deixado às mentes humanas. Acontece que os humanos querem sempre mais e, portanto, nunca estão verdadeiramente satisfeitos. É essa lógica que move os humanos em todas as suas criações, experiências e vivências: mais e melhor, de preferência. As máquinas e a sua conceptualização e utilidade têm, por isso, evoluído nesse sentido. Na verdade, a evolução tecnológica tem sido de tal ordem, sempre a bem do conforto e da melhoria do dia a dia dos humanos, que a ideia fulcral é as máquinas recolherem o máximo de informação possível sobre os humanos, para a poderem trabalhar, e depois a poderem utilizar para prever (“adivinhar”) os desejos humanos. E estão a consegui-lo, de uma forma assustadora. Os humanos Homo Sapiens são monitorizados a cada segundo das suas acções diárias e nocturnas, por máquinas. Basta pensar numa simples compra de café numa estação de serviço, um pagamento de uma factura relativa a um serviço, a compra de uma viagem, o nascimento de uma criança, uma ida ao médico, uma compra na Amazon, uma publicação no Facebook, uma foto no Instagram. Tudo está informatizado, appizado, softwareado, tudo está netizado e devidamente documentado e arquivado numa suposta cloud, ou noutro sítio qualquer, acessível aos gigantes tecnológicos e aos governos. As nossas vidas são transparentes; a privacidade, duvidosa. Assim, o futuro já próximo afigura-se desconcertante, impossível de determinar com confiança e segurança. O que estamos a fazer? O que queremos fazer? Na ânsia de termos tudo e de acedermos a tudo e de querermos controlar tudo, estamos, na realidade, a perder todo o controle, a deixarmo-nos levar pelo facilitismo tecnológico que nos está a iniciar numa perigosa senda. E quando chegarmos ao ponto sem retorno, o Homo Sapiens será suplantado pela IAG, já detentora de uma consciência virtual, no entanto, impactante e determinante nas acções globais, em crescimento silencioso e profuso. Até que ponto nos queremos esquecer da nossa humanidade e do controlo das nossas vidas? Basta pensar em filmes icónicos como: “Relatório Minoritário”, “Olhos de Lince”, “Inteligência Artificial”, “A Ilha”, “Exterminador Implacável”, entre tantos outros, ou livros como “O Imortal”, “1984”, “Admirável Mundo Novo”, entre tantos outros, que antevêem um futuro nada risonho para o pouco inteligente Homo Sapiens. As opiniões dividem-se, a discussão é acesa e difícil, o consenso improvável e as decisões impossíveis. Pelo menos, por agora. Mas, será bom esta, e as próximas gerações, meditarem seriamente sobre o nosso improvável futuro. Queremos mesmo deixar, ainda mais, as decisões nas mãos de máquinas? Confiar as nossas escolhas (supostamente) pessoais, ainda mais, nas mãos da IAG?
A literatura acompanha o amor e a morte, de perto. Tudo se conta. Tudo se escreve. Tudo se sente. No entanto, a associação de amor a algo bom e de morte a algo mau, doloroso, transparece uma significância suspeita, que é comummente aceite, mas que se traduz num receio realista e temente. Tabu ancestral, a morte permanece envolvida em misticismo céptico e tenebroso. Na realidade, a ideia de continuidade, associada ao ritual fúnebre, naturalmente seria sinónimo de esperança ancorada numa outra vida, num outro lugar, numa outra existência. Esta passagem é biologicamente aceite. Mas, apesar do ciclo da vida ser interiorizado de forma plena, sem redundância e contorno possível, a humanidade tem reservas profundas relativamente à temática. Assim sendo, o problema não é a morte em si mesma, mas o quando e o como associado a ela. É isso que transforma a racionalidade humana, nos momentos finais ou mais meditativos, em irracionalidade emocional e emotiva. As dores física e psíquica que acompanham o processo, faseado ou não, é o fantasma que assombra as mentes mais optimistas. A expectativa de que um bocadinho de nós fique e permaneça em alguém ou alguma coisa, é o alento esperado e desejado. Os finados devolvem o espírito mortal aos terrenos e ganham realce na espiritualidade da conectividade com a vida posterior. A lógica da reencarnação fará sentido, quando ligada à continuidade existencial de produtores e decompositores, porque no ciclo da vida, cada qual tem e assume um papel e função bem determinados e deterministas. A compreensão de todos estes fenómenos e experiências, ultrapassa, no entanto, uma explicação puramente científica, e é, muitas vezes, no folclore que a compreensão encontra sentido mais imediato. Respeitar as crenças e religiões, a ciência, a experiência, o conhecimento, a sábia ancestralidade, e as suas devidas interpretações da morte é fulcral para uma mais fácil aceitação de algo que nos persegue, desde o momento em que nascemos. É uma inevitabilidade. No entanto, encaremos frontalmente que o corpo está preparado para a vida, assim como para a morte. É um facto. E nisso, somos todos iguais, humanos e verdadeiramente mortais.