Amanhece aqui, anoitece aí. E vice-versa. Este enfadonho quotidiano, feito de desencontros é recorrente. Nada de novo. Silêncio ensurdecedor, mas vais dando notícias. Estás vivo e pensas, algures, ainda em mim. A minha inquietação acalmou. A acalmia do costume tranquiliza ilusoriamente, é certo. Vou-me distraindo com o trabalho, a família, os amigos. Tudo serve de pretexto para não pensar em ti. Os dias diminuem, tal como o tempo para te voltar a ver. Ou não. Nunca sei o que planeias, nunca sei nada. O Outono assenta e vou-me conformando com o incontornável suplício de aceitar as coisas tal como elas são, não como deveriam ser. E vou fazer o mesmo que tu fazes. Fazer o que me apetece, quando me apetece, com quem me apetece. É um exercício mental que se treina. A estratégia é desligar e viver a vida, pensando apenas em nós. Isto soa assustadoramente horrível, porque não sei se o consigo fazer, nem sei como o fazer. Tu também não o fazias. Mas, sabe-se lá porquê, começaste, um dia. Talvez, com o eterno medo da morte e da vida não vivida. E esqueceste-te dos outros e da mágoa que neles causas. Gostava de me sentir especial, mas não sou. Estou na lista comum, tal como todos os outros. Hoje, Saigão. Que trará o oriente? O que te fará? Virás mudado? Ainda mais? Tenho tentado decidir ir na onda, como tu, e não me preocupar. O pior que pode acontecer é eu ficar sozinha, e, isso, eu já estou, na grande maioria do tempo. No início, não era assim. As coisas mudam, as pessoas mudam, as relações mudam. Tu mudaste. E eu, estou a mudar.
Hué, património mundial da Unesco. Ainda viajas por terras vietnamitas. Amanhã, Saigão. Antes, mais fotos, praias, o Mar da China. Uma flor. Linda. Simples. Singela. Talvez fosse para mim. Não te deixas embalar pela saudade e pela emoção. Hoje, para mim, Lisboa. Terra firme a lembrar a racionalidade das coisas e do ter de estar, compostura e postura, passividade forçada. Rotina. Até ver. O fim-de-semana passou, cheio, preenchido, pleno de actividade, de boas conversas, de risos, de boas experiências, mas com outros. Quem eu quero, no entanto, não está comigo. Já faltou mais, é certo. Ainda não sei o que fazer, o que te dizer, ainda não tomei uma decisão. Se o teu coração falasse, seria mais fácil, mas, apenas falas com a razão. Não descortino os meandros da tua difícil e inatingível mente. Espero por ti, talvez em vão. A decisão será minha. Não. Tem de ser tua, porque eu sei o que quero. Como será voltar a ver-te, a tocar-te, a sentir-te? A beleza das montanhas, envolvidas numa misteriosa bruma, deixam adivinhar paisagens surreais, muito verdes e húmidas. Não há pessoas nas fotos. Só natureza. A questão é que nunca estiveste tão longe. E eu preciso de proximidade. Compreendo o que não tenho de compreender. Desculpo o que não tenho de desculpar. Se calhar, agora, serei mais dura contigo. Será realmente amor o que sentes por mim, ou apenas uma paixão que se conteve e se desviou de um outro caminho, com receio de reviver o passado e de se comprometer? Espero que te encontres, nessa terra de beleza extraordinária. Eu vou tentando encontrar-me, resguardando-me de ti, criando mecanismos de defesa que me permitam sobreviver. Mas, eu não quero só sobreviver. Preciso de viver. E preciso de ser feliz. De preferência, contigo.
Este fim-de-semana é meu. Sem ti, e longe de ti, quero esquecer a tristeza e o teu abandono e desfrutar de alguns pequenos prazeres da vida, que adoro. Uma saída com amigos, num reencontro saudoso com as caminhadas duras, levaram-me numa viagem de 27 quilómetros, percorridos a pé, sob um temporal infernal de chuva e vento, entre São Pedro de Moel e a Nazaré. O desafio foi lançado e eu aceitei. Precisava de me afastar e de me sentir viva. A beleza da paisagem costeira alheou-me das coisas e, especialmente, de ti. Não tens enviado fotos, mas ainda não me esqueceste. Não sei se isso é bom ou mau, na realidade, em minha defesa, tornei-me indiferente à tua viagem, porque não a compreendo. Porquê deixar para trás quem se ama, ainda por cima, sem deixar que a pessoa amada seja incluída nas experiências de vida, sem que as possa partilhar? Não parece ser de quem ama o outro. Sinto eu. Hoje, deambulámos pela Serra da Lousã. O tempo ajudou, mas os trilhos ainda enlameados dificultaram as subidas. 20 quilómetros de paz e afável convívio. Gosto do meu Gangue das Caminhadas. Tu, estás vivo. Pelo menos, enviaste mensagens de lá, por onde quer que seja que tu andas. Espero que toda a experiência asiática valha a perda do meu amor, da minha resiliência, da minha infinita luta por ti. Espero que estejas feliz. Também eu tento ser feliz.
Não sei por onde andas hoje. Já falámos, mas sem localizações precisas. Continuo com a rotina da vida, os meus afazeres, o meu trabalho, a minha família. Estou mais longe. Interiorizei que estamos em mundos diferentes e, portanto, vou-me permitir viver a vida. A minha experiência é diferente da tua. O meu sentir também. Numa luta desigual, em que o amor e a entrega se fazem de forma desequilibrada, é natural que o cansaço faça esquecer as regras e que a emoção se encaixe surrateiramente na construção das vivências diárias, de uma forma subtil e excitante, determinada pela interacção com outros. Espero que estejas feliz, leve e que te sintas realizado, pelo menos, penso que era esse o teu objectivo. Uma grande viagem para esquecer o mundo e a mim, talvez, para te reencontrares. O meu papel é irrelevante, não tem peso. Eu não sou prioritária no teu mundo de tarefas e coisas e gentes. As desculpas e o perdoar esgotam. A viagem é contínua, a vida só uma e preciso de encontrar aquele que me ame e que me queira e que me faça feliz. A minha entrega a ti fez-se, um dia, quando, ganhei confiança em ti, mas tudo se foi perdendo, numa mudança dolorosa que empreendeste a bem do teu ser e do teu eu. Sinto-me apenas um complemento, mesmo quando dizes que gostas muito de mim e que sou o teu porto seguro, aonde sempre voltas. Mas, os entretantos são sempre vazios de ti. A tua fuga eterna tem contornos de maldade emocional. Aí, onde estás, já é amanhã. Talvez, amanhã, tudo se componha para mim e eu renasça. Ainda não desisti. De ti, ainda não sei.
O tempo passa mais depressa. O hábito faz o monge. Com razão. Continuas num mundo distante, mas presente, em doces mensagens e belas fotos. O que vês, no entanto, eu não vejo. O que cheiras, eu não cheiro. Com quem falas, eu não falo. Partilhas com estranhos, o que não partilhas comigo. Dás-te aos outros, e não te dás a mim. A busca da felicidade determina que eu me abstraia de ti. A contemplação de um breve momento, junto a ti, é irreal. A troca de palavras sentidas, um mito. Que buscas tu, nesta nova senda motivacional? As coisas são o que são. Sinto-me longe de ti. O teu mundo já não é o meu. Esta viagem matou-nos um pouco. Rotino contrariada. Dói-me o peito e a alma, porque o confronto no retorno não será fácil. Vou mudando, ao sentir racionalmente. Nada faz sentido. A ilusão de uma relação é fatal. Aí, onde estás, tudo é simples e belo. Aqui, a solidão, de novo aperta. Alguns momentos de alegria passageira são verdadeiros, porque te lembras de mim, mas a análise fria e dura, necessária para perspectivar os teus alheamentos, sentencia algo que há muito se adivinhava, o fim de tudo, pelo menos, para mim. Em breve.