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A Esquina do Desencontro

Histórias de Desencontros Ficcionais (ou Não) na Esquina da Vida

Dia 9 - Saigão Away

22.10.19 | Cuca Margoux

Amanhece aqui, anoitece aí. E vice-versa. Este enfadonho quotidiano, feito de desencontros é recorrente. Nada de novo. Silêncio ensurdecedor, mas vais dando notícias. Estás vivo e pensas, algures, ainda em mim. A minha inquietação acalmou. A acalmia do costume tranquiliza ilusoriamente, é certo. Vou-me distraindo com o trabalho, a família, os amigos. Tudo serve de pretexto para não pensar em ti. Os dias diminuem, tal como o tempo para te voltar a ver. Ou não. Nunca sei o que planeias, nunca sei nada. O Outono assenta e vou-me conformando com o incontornável suplício de aceitar as coisas tal como elas são, não como deveriam ser. E vou fazer o mesmo que tu fazes. Fazer o que me apetece, quando me apetece, com quem me apetece. É um exercício mental que se treina. A estratégia é desligar e viver a vida, pensando apenas em nós. Isto soa assustadoramente horrível, porque não sei se o consigo fazer, nem sei como o fazer. Tu também não o fazias. Mas, sabe-se lá porquê, começaste, um dia. Talvez, com o eterno medo da morte e da vida não vivida. E esqueceste-te dos outros e da mágoa que neles causas. Gostava de me sentir especial, mas não sou. Estou na lista comum, tal como todos os outros. Hoje, Saigão. Que trará o oriente? O que te fará? Virás mudado? Ainda mais? Tenho tentado decidir ir na onda, como tu, e não me preocupar. O pior que pode acontecer é eu ficar sozinha, e, isso, eu já estou, na grande maioria do tempo. No início, não era assim. As coisas mudam, as pessoas mudam, as relações mudam. Tu mudaste. E eu, estou a mudar.

Dia 8 - Hué Away

21.10.19 | Cuca Margoux

Hué, património mundial da Unesco. Ainda viajas por terras vietnamitas. Amanhã, Saigão. Antes, mais fotos, praias, o Mar da China. Uma flor. Linda. Simples. Singela. Talvez fosse para mim. Não te deixas embalar pela saudade e pela emoção. Hoje, para mim, Lisboa. Terra firme a lembrar a racionalidade das coisas e do ter de estar, compostura e postura, passividade forçada. Rotina. Até ver. O fim-de-semana passou, cheio, preenchido, pleno de actividade, de boas conversas, de risos, de boas experiências, mas com outros. Quem eu quero, no entanto, não está comigo. Já faltou mais, é certo. Ainda não sei o que fazer, o que te dizer, ainda não tomei uma decisão. Se o teu coração falasse, seria mais fácil, mas, apenas falas com a razão. Não descortino os meandros da tua difícil e inatingível mente. Espero por ti, talvez em vão. A decisão será minha. Não. Tem de ser tua, porque eu sei o que quero. Como será voltar a ver-te, a tocar-te, a sentir-te? A beleza das montanhas, envolvidas numa misteriosa bruma, deixam adivinhar paisagens surreais, muito verdes e húmidas. Não há pessoas nas fotos. Só natureza. A questão é que nunca estiveste tão longe. E eu preciso de proximidade. Compreendo o que não tenho de compreender. Desculpo o que não tenho de desculpar. Se calhar, agora, serei mais dura contigo. Será realmente amor o que sentes por mim, ou apenas uma paixão que se conteve e se desviou de um outro caminho, com receio de reviver o passado e de se comprometer? Espero que te encontres, nessa terra de beleza extraordinária. Eu vou tentando encontrar-me, resguardando-me de ti, criando mecanismos de defesa que me permitam sobreviver. Mas, eu não quero só sobreviver. Preciso de viver. E preciso de ser feliz. De preferência, contigo.

Dias 6 e 7 - Still Vietname Away

20.10.19 | Cuca Margoux

Este fim-de-semana é meu. Sem ti, e longe de ti, quero esquecer a tristeza e o teu abandono e desfrutar de alguns pequenos prazeres da vida, que adoro. Uma saída com amigos, num reencontro saudoso com as caminhadas duras, levaram-me numa viagem de 27 quilómetros, percorridos a pé, sob um temporal infernal de chuva e vento, entre São Pedro de Moel e a Nazaré. O desafio foi lançado e eu aceitei. Precisava de me afastar e de me sentir viva. A beleza da paisagem costeira alheou-me das coisas e, especialmente, de ti. Não tens enviado fotos, mas ainda não me esqueceste. Não sei se isso é bom ou mau, na realidade, em minha defesa, tornei-me indiferente à tua viagem, porque não a compreendo. Porquê deixar para trás quem se ama, ainda por cima, sem deixar que a pessoa amada seja incluída nas experiências de vida, sem que as possa partilhar? Não parece ser de quem ama o outro. Sinto eu. Hoje, deambulámos pela Serra da Lousã. O tempo ajudou, mas os trilhos ainda enlameados dificultaram as subidas. 20 quilómetros de paz e afável convívio. Gosto do meu Gangue das Caminhadas. Tu, estás vivo. Pelo menos, enviaste mensagens de lá, por onde quer que seja que tu andas. Espero que toda a experiência asiática valha a perda do meu amor, da minha resiliência, da minha infinita luta por ti. Espero que estejas feliz. Também eu tento ser feliz.

Dia 5 - Ásia Somewhere Away

18.10.19 | Cuca Margoux

Não sei por onde andas hoje. Já falámos, mas sem localizações precisas. Continuo com a rotina da vida, os meus afazeres, o meu trabalho, a minha família. Estou mais longe. Interiorizei que estamos em mundos diferentes e, portanto, vou-me permitir viver a vida. A minha experiência é diferente da tua. O meu sentir também. Numa luta desigual, em que o amor e a entrega se fazem de forma desequilibrada, é natural que o cansaço faça esquecer as regras e que a emoção se encaixe surrateiramente na construção das vivências diárias, de uma forma subtil e excitante, determinada pela interacção com outros. Espero que estejas feliz, leve e que te sintas realizado, pelo menos, penso que era esse o teu objectivo. Uma grande viagem para esquecer o mundo e a mim, talvez, para te reencontrares. O meu papel é irrelevante, não tem peso. Eu não sou prioritária no teu mundo de tarefas e coisas e gentes. As desculpas e o perdoar esgotam. A viagem é contínua, a vida só uma e preciso de encontrar aquele que me ame e que me queira e que me faça feliz. A minha entrega a ti fez-se, um dia, quando, ganhei confiança em ti, mas tudo se foi perdendo, numa mudança dolorosa que empreendeste a bem do teu ser e do teu eu. Sinto-me apenas um complemento, mesmo quando dizes que gostas muito de mim e que sou o teu porto seguro, aonde sempre voltas. Mas, os entretantos são sempre vazios de ti. A tua fuga eterna tem contornos de maldade emocional. Aí, onde estás, já é amanhã. Talvez, amanhã, tudo se componha para mim e eu renasça. Ainda não desisti. De ti, ainda não sei.

Dia 4 - Vietname Away

17.10.19 | Cuca Margoux

O tempo passa mais depressa. O hábito faz o monge. Com razão. Continuas num mundo distante, mas presente, em doces mensagens e belas fotos. O que vês, no entanto, eu não vejo. O que cheiras, eu não cheiro. Com quem falas, eu não falo. Partilhas com estranhos, o que não partilhas comigo. Dás-te aos outros, e não te dás a mim. A busca da felicidade determina que eu me abstraia de ti. A contemplação de um breve momento, junto a ti, é irreal. A troca de palavras sentidas, um mito. Que buscas tu, nesta nova senda motivacional? As coisas são o que são. Sinto-me longe de ti. O teu mundo já não é o meu. Esta viagem matou-nos um pouco. Rotino contrariada. Dói-me o peito e a alma, porque o confronto no retorno não será fácil. Vou mudando, ao sentir racionalmente. Nada faz sentido. A ilusão de uma relação é fatal. Aí, onde estás, tudo é simples e belo. Aqui, a solidão, de novo aperta. Alguns momentos de alegria passageira são verdadeiros, porque te lembras de mim, mas a análise fria e dura, necessária para perspectivar os teus alheamentos, sentencia algo que há muito se adivinhava, o fim de tudo, pelo menos, para mim. Em breve.