Voltaste para mim. Os horários continuaram trocados e ontem, pouco falámos, mas estás são e salvo, de volta ao nosso simples, mas previsível Portugal. São, talvez não, porque a enfermidade lançada pelos Deuses ainda te apoquenta e é muito duvidosa, contagiosa, quem sabe. Os especialistas sentenciarão. Esperançosamente esperemos, nada de muito grave. Triste lição te ensinaram o tempo e o clima desses lugares asiáticos antes perdidos e, agora, turisticamente achados e tão apetecíveis. Descanso enfim, um pouco, o coração sobressaltado. Estás em terras da nossa gente. Ontem, ainda deambulaste por terras chinesas e viajaste, de novo, em monstros de metal que tanto insistem em levar para tão longe os nossos entes queridos. Que surpresas me reservas? Estou tão furiosa contigo! Só me apetece abanar-te com força e despertar-te dessa crise de idiotice infantil que pelo menos por agora, não consigo compreender. Essa necessidade de conquistas e feitos grandiosos e exóticos, que tanta falta fazem ao imaginário masculino de super herói sonhado. Termina, finalmente, esta exasperante viagem mística. O racional feito sonhador regressa à terra dos mortais. E eu, estou confusa. Na verdade, desiludida de novo contigo. Com a tua falta de partilha, confiança e comunicação. O ciclo da odisseia vietnamita encerra um ciclo de vida. Para mim, lançou novas dúvidas sobre ti. Para mim, abriu feridas. Dolorosas. Outra vez. Tenho de reaprender a ligar-me a ti, protegendo-me do amor que sinto por ti. Seremos, de novo? Não sei. O novo tempo que aí vem o dirá.
O tempo determina que tudo vá passando e sarando calmamente. Os Deuses zangaram-se contigo e pregaram-te uma partida: lançaram o feitiço da enfermidade e tornaram-te frágil e mortal. Um pecado distante tem penitência. O teu ousado e egoísta grito do Ipiranga tem consequências. A febril e incessante busca pela imortalidade demove da razão toda a emoção. A alma fica vazia e insensível. O Cambodja dispersou a tua alma e amedrontou o teu coração. Ousei viver e assustaste-te, apenas um pouco, é certo, mas a tua preocupação cresceu. Vais-me falando, perguntando, seduzindo, desajeitadamente. Vou-me libertando de ti e dos teus infernais feitiços. O exotismo das fotos cambodjianas deixa adivinhar mistério e intrincada construção. Povo meticuloso e regrado. Verde efusivo, de novo. O calor e a humidade, a chuva quente, assim o determinam. A tua viagem de aventura adolescente está a chegar ao fim, e eu distanciei-me, por fim. O amanhã, é uma incógnita. China e Lisboa. Caminhei de novo. Atravessei o Tejo e subi as colinas de Lisboa. Ou, talvez tenha viajado até Negrais. O facto é que tenho preenchido o teu vazio enormemente e já não me sinto tão sozinha. Tu, abandonaste-me, com uma panóplia de invenções e infantis desculpas. Há coisas que já não posso aceitar. Não consigo. E não compreendo. Se calhar, passaremos a ser só amigos. A minha confiança em ti morreu. Ainda será amor o que sinto? Ou amizade? Compaixão? Questiono-me frequentemente e não sei o que fazer. Sinto-me dividida. O coração quer perdoar, a razão, odiar. Talvez, o novo dia e a nova hora, me tragam a iluminura necessária para decidir. Por mim e para mim.
Hoje, foi um dia bom. Sei lá. Estive absorvida pelas minhas coisas, andei soberbamente atarefada, alegrei a vista no DocLisboa, onde um documentário sobre Moçambique brilhou e encantou, e deixei-me levar pelo Marketing, numa conferência dinâmica, entusiástica e refrescante na minha antiga faculdade. Quão preenchido pode um dia ser, para te esquecer? Na realidade, só agora, verdadeiramente, pensei em ti. O coração teve paz, portanto. Fomos trocando breves mensagens e enviaste fotos verdes, de rios verdes, gentes coloridas, movimento parado e luzes cintilantes numa noite oriental. Esta tua viagem, revela-se, cada vez mais, um grito do Ipiranga tardio. Parece um cliché tão banal, quanto esta tua crise de meia-idade ou de adolescência não vivida. Ainda não percebi bem de que correcta constatação se trata. Mas, não há desculpa. Não te posso desculpar. Sinto-me profundamente traída e magoada, não pela viagem em si, mas por todo o secretismo no planeamento da mesma. Nada há mais entusiasmante do que a preparação de uma longa saída em direcção ao desconhecido. As aventuras devem fazer parte da vida. É bom manter viva a capacidade de improviso e de tornar surpreendente a simplicidade. Mas, a partilha é fundamental. E tu, não partilhas. Agarraste-te a uma ideia estúpida de morte antecipada e desmontaste todas as tuas fantasias não fantasiadas, agora. Será isso? Acontece que procuramos coisas e estares diferentes. Estou cansada, desconcertada e desinspirada. Desiludida. Apenas te queria ver e tocar, abraçar. Sinto-me num contínuo afastar de ti e obrigo-me a repetir interiormente que tenho de me proteger e elevar, de novo, as defesas. Nem sei se te quero ver. Encurralada num turbilhão de emoções e profundas confusões, tento decifrar sinais mais evidentes de decisão futura mais sustentada. O meu coração está a fechar. Uma vez mais. E, agora, para ti.
Hoje, não sei bem por onde andas. Saigão, talvez, ainda. Enviaste duas fotos, aparentemente, de Saigão. Noite e dia. Estou ocupada, quero estar ocupada. Trocámos breves mensagens. Mais fotos, só amanhã. A disparidade das nossas consciências e das experiências traduz-se num afastar progressivo. Movimentações subconscientes, encaram prenúncios de tempestade possante, no horizonte. Tempestade interior. Minha, é certo. Incógnita sobre o futuro. O que quero eu? O que posso esperar? Voltarás, é certo. Para quem e de que maneira, não sei. Não posso ter expectativas. A forma como te vais aproximar de mim, ou não, determinará o teu futuro, a tua presença ou a tua ausência. Não queres sair da minha vida, assim parece, mas, como queres estar nela? Alguns laços foram quebrados. Coisas foram ditas. Não sei o que posso esperar de ti. Afundaste num vazio de solidão ou de companhia alheia. Entregas-te a ti e a alguém. O que sou eu, nessa tua vida de planeamentos solitários? Haverá esperança? Conseguirei ser feliz, com esse teu novo eu? A minha decisão, pende claramente, neste momento, para um lado que tenho evitado a tudo o custo, mas, a que preço? Vale a pena? O amor é dar e receber e, sinceramente, só me tenho sentido a dar, e pouco a receber. É só isto que temos? É só isto que me queres dar? É só isto que queres construir? Fortaleces-te e eu enfraqueço. Sorris e eu choro. Vives e eu sobrevivo. Que justiça há, afinal, no amor, meu, ainda, amor?